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quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Martírio: o testemunho cristão




Por Jorge Fernandes Isah


Vejam bem, o Cristianismo bíblico sempre foi atacado e perseguido em todos os tempos. Os primeiros quatro séculos da era cristã foram de perseguição e morte para a igreja. Muitos perderam a própria vida por amor a Cristo, pois era-lhes impossível negar aquele que os amou eternamente e entregou-se a si mesmo por eles na cruz. Era-lhes preferível a morte física do que rejeitar o Salvador e Senhor e a fé. Por isso, muitos foram sacrificados, e mesmo colocados como objeto de diversão nas arenas romanas. Famílias inteiras eram presas, perdiam seus bens e eram lançadas às feras: leões e gladiadores.

Há exemplos na Bíblia, desde o sacrifício do próprio Senhor Jesus, crucificado e morto injustamente, passando por:

- Estevão [At 7.54-60] [2],

- pela dispersão da igreja [At 8.1-4],

- por Tiago, irmão de João o evangelista, morto pelas mãos de Herodes Agripa [AT 12.2],

- a prisão de Pedro pelo mesmo Herodes Agripa [At 12.3-11].

O significado da palavra martírio [cujo sentido desconhecia, e surpreendi-me ao descobri-lo] vem do grego martýrion, que remete-nos ao testemunho.

Comumente se usa o termo martírio para explicar, em forma figurada, uma aflição, tortura, tribulação, dor. Quando vemos alguém sofrendo muito, seja por uma doença ou por problemas pessoais com filhos ou parentes, dizemos que a vida dele é um martírio. Mas o sentido original do termo não era este.

Na cruz, Cristo nos deu o seu testemunho. Sendo santo e justo, morreu pelos injustos e pecadores, apagando os nossos pecados e nos reconciliando com Deus. Então, tem o significado de alguém que, por sua morte, testemunha o amor por outrem ou é capaz de morrer no lugar de outro, a substituição vicária. Um adendo: é importante ressaltar que Cristo foi um homem sem pecados ou máculas, o homem perfeito que, como Filho, em tudo agradou e serviu ao Pai. Portanto, ele não levou sobre si nada além dos pecados daqueles que o Pai entregou em suas mãos, ele nos substituiu, tomou o nosso lugar, pagando o preço que nos era impossível pagar. Ali, ele testemunhou o amor pelo Pai e por aqueles que o Pai entregou em suas mãos, pagando o preço com o seu sangue; testificando também o amor e a fidelidade do Pai para com o seu povo, a aliança eterna que realizou conosco por intermédio do seu Filho Amado. Ele, em todos os sentidos, é um mártir, ao nos unir completa e eternamente ao Pai, uma união indissolúvel e perfeita.

No aspecto moderno do termo, todo homem é um mártir em potencial, pois a vida, em decorrência do pecado, trará mais aflições e tribulações ao homem quanto maior o seu  distanciamento de Deus, e, quanto mais distante mais o sofrimento se acentua... A separação de Deus testemunha o sofrimento e a angústia que a vida rebelde projeta na alma do homem, refletindo nele a realidade da qual tenta desesperadamente evitar, revelando a impotência que insiste em não ver mas que se revela evidente. 


Porém, nós, que somos filhos de Deus, podemos experimentar a dor e o sofrimento e a angustia de maneira diferente, pois, ainda que sejamos tão humanos como os rebeldes, temos o refrigério e o consolo divinos através dos seu Espírito, que nos consola e conforta com maravilhosas promessas, mas também pelo martírio dos santos que, a despeito de toda a perseguição e sofrimento, foram capacitados a rejeitarem a si mesmos em favor da obediência ao Senhor, na certeza de que Deus, nos momentos mais difíceis, cuida e jamais abandona os seus filhos... O que nos remete, invariavelmente, à ordem de Cristo de segui-lo, tomando a nossa cruz e negando-nos a nós mesmos. 


Um exemplo, que sempre me chamou a atenção, foi o de Pedro. No livro de Atos, após a morte de Tiago, ele foi preso pelo rei Agripa, que pretendia martirizá-lo para satisfazer ao desejo homicida do povo de Israel. Contudo, maravilhosamente, sabendo que morreria no dia seguinte, Pedro, algemado entre dois soldados e com guardas à porta para escoltá-lo até o local da execução, dormiu tranquilamente, de forma que foi necessário o anjo do Senhor tocar na sua ilharga para acordá-lo.

Podemos imaginar o que Pedro pensava da sua condição?

E nós, como portaríamos em seu lugar?

Pedro estava disposto a se sacrificar, a testemunhar com a própria vida a vida que Cristo lhe dera. Interessante que no A.T. as ovelhas eram sacrificadas para anular os pecados do povo de Israel. O sacrifício de Cristo veio livrar-nos e apagar definitivamente os nossos pecados, trazendo para si um povo. E agora Pedro estava disposto a seguir o exemplo do Senhor e morrer em nome daquele que lhe dera perdão e vida. O martírio era um testemunho de que nada neste mundo poderia impedi-lo de servir ao seu Senhor.

Pedro deu-nos uma demonstração de fé, de que mesmo na morte é possível perder a vida para louvar e bendizer o nome do Senhor. Não foi isso o que o Senhor disse? Aquele que guardar a sua vida  perde-la-á, o que perdê-la ganha-la-á [Mt 16.25]. Pedro se importava com a sua vida apenas se ela servisse para a obra do Senhor, usá-la para louvor do seu nome santo; não havia outro motivo pelo qual guardá-la, e mesmo na morte ele não a perderia.

No ano 391 da era cristã, um monge chamado Telêmaco foi a Roma, após ter ouvido o chamado de Deus para ir até lá. Entrando na cidade, em dado momento, ele se viu cercado por uma turba de pessoas alvoroçadas, e impelido por elas, entrou no Coliseu onde se reiniciariam os jogos dos gladiadores. Constantino havia proibido a morte nas arenas setenta anos antes, mas o novo imperador, por pressão popular, decidiu legalizá-los novamente. Ao ver a fúria dos gladiadores lutando e matando-se mutuamente, o velho monge desceu as escadarias e entrou na arena se colocando entre os lutadores, dizendo: "Em nome de Cristo, parem!". A turba se enfureceu com ele e incitou os gladiadores a hostilizá-lo. Colocado de lado por um deles, ao ver a luta se reiniciar, colocou-se novamente entre os dois, e foi atingido mortalmente por um golpe de espada. A turba, até então ruidosa, calou-se. Em meio ao silêncio das 80.000 pessoas pode-se ainda ouvir o moribundo dizer: "Em nome de Cristo, parem!". Um a um os espectadores sairam em silêncio. Com a morte de Telêmaco, definitivamente os jogos de gladiadores foram extintos no Império Romano.

Hoje os testemunhos, com raras exceções, são meros discursos ou palavreado vazio e sem sentido, onde, na maioria das vezes, o que se diz é diametralmente oposto ao que se faz. Cristo viu isso em seu tempo entre os fariseus, os mestres de Israel. Ele disse ao povo para segui-los no que diziam, que era a própria revelação de Deus, mas jamais fazer ou agir como eles faziam e agiam. Utilizavam-se da retórica para, erroneamente, proclamar algo que vai muito além das palavras. Sabemos que sem a linguagem humana o Evangelho não seria proclamado. Mas, muitas vezes, o testemunho [e lembre-se que testemunho é sinônimo de martírio] falará muito mais do que um milhão de palavras. O testemunho de Cristo falou por si mesmo. Assim como os já citados.

Na teologia há um termo que se chama "ortopraxia", o qual refere-se à prática correta. É preciso aliar a teologia correta ou a crença correta [ortodoxia] com a prática correta. Penso que Tiago [Tg 2.18], ao se referir às obras mortas, falava exatamente disso, do discurso vazio que se acomoda intelectualmente mas não produz resultado prático ou os frutos aos quais o Senhor Jesus se referiu. E como toda a árvore que não dá bons frutos é cortada e lançada no fogo eterno, assim será para os que têm o correto na mente mas não o aplicam no seu dia-a-dia. Eles enganam a si mesmos [Mt 7.15-20].

Então, gostaria de finalizar com um trecho da biografia do pr. William Carey. Em uma carta, escrita em 17.08.1831, escrita a Jabez Carey, quando estava em Serampore, Índia, ele disse:

"Hoje estou fazendo setenta anos, o que é um monumento à misericórdia e bondade divina, apesar de, numa revista de minha vida, eu encontrar muitas coisas pelas quais devia ser humilhado no pó. Meus pecados ostensivos e concretos são inumeráveis, minha negligência no trabalho do Senhor foi grande, não promovi sua causa nem busquei sua glória e honra como deveria. Apesar de tudo isso fui poupado até agora e ainda sou mantido em sua obra, queria ser mais consagrado ao seu serviço, mais santificado, praticando as virtudes cristãs e produzindo frutos de justiça, para louvor e honra do Salvador que deu sua vida em sacrifício pelo pecado".


Que cada um de nós seja capaz de testemunhar, até o sangue se preciso, a gratidão a Deus pelo amor infinito com que nos amou. 
Notas: 1- Aula realizada na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico;
2- Este trecho, e algumas passagens não citadas no presente texto, encontra-se melhor explicado no áudio da aula;

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