O Vbnerável Bede nasceu
em 672 e morreu em 735. Ele passou a maior parte da vida no mosteiro em
Jarrow-on-Tyne. Sua obra mais notável foi a História Eclesiástica da Nação
Inglesa. Suas últimas horas foram gastas terminando a tradução para o
vernáculo do Evangelho de João. Infelizmente, esta obra se perdeu.
Como veremos no sermão pregado por Bede, havia muito da arte
dos contadores de histórias nos sermões deste antigo pregador.
O Encontro da Misericórdia
e da Justiça
"A misericórdia c a verdade se encontraram...” (Sl 85.10)
HAVIA certo Pai de família, um Rei poderoso, que
tinha quatro filhas. Uma se chamava Misericórdia; a segunda, Verdade; a
terceira. Justiça; e a quarta, Paz; de quem se diz: "A Misericórdia e a
Verdade se encontraram; a Justiça e a Paz se beijaram'1. Ele tinha
também certo Filho muito sábio, a quem ninguém se comparava em sabedoria. Tinha
igualmente certo criado a quem havia exaltado e enriquecido com grande honra;
pois Ele o fizera segundo sua própria semelhança e similitude, e isso sem
mérito precedente por parte do criado. Mas o Senhor, como é o costume com tais
mestres sábios, desejava prudentemente explorar e conhecer o caráter e a fé do
seu criado, se este lhe era ou não digno de confiança. Assim Ele deu-lhe uma
ordem fácil, e disse: "Se tu fizeres o que eu te digo, eu te exaltarei a
maiores honras; se não, tu perecerás miseravelmente".
O CRIADO ouviu a ordem, e sem demora, a infringiu. Por que preciso dizer mais? Por que preciso retardá-lo com minhas palavras e lágrimas?
Este criado orgulhoso, obstinado, altivo e inchado de vaidade buscou uma
desculpa para sua transgressão e colocou toda a culpa no seu Senhor. Pois
quando ele disse: "A mulher que me deste para estar comigo, me
enganou", ele jogou toda a culpa no seu Criador O seu Senhor, mais bravo
por tal conduta contumaz do que pela transgressão da ordem, chamou quatro dos
mais cruéis executores e ordenou que um deles o lançasse na prisão, que outro o estrangulasse que o terceiro o decapitasse e que o quarto o afligisse com tormentos
atrozes. Tão logo se oferecer ocasião, eu lhes darei o nome de cada um dos
atormentadores.
ESSES torturadores, estudando como pôr em execução a própria
crueldade, levaram o miserável homem e começaram a afligi-lo com toda sorte de
castigos. Mas uma das filhas do Rei. por nome Misericórdia quando ouviu falar
sobre este castigo do criado, correu apressadamente à prisão. Olhando para
dentro e vendo o homem entregue aos atormentadores, não pôde deixar de ter
compaixão dele, porque é sua característica ter misericórdia. Ela rasgou as
roupas, bateu palmas e deixou o cabelo cair solto em torno do pescoço.
Chorando e gritando, ela correu ao Pai e, ajoelhando-se diante dos seus pés, começou
a dizer com voz séria e dolorosa: "Meu Pai amado, não sou eu tua filha
Misericórdia? E tu não és chamado misericordioso? Se tu és misericordioso,
tenha misericórdia de teu criado. Se tu não tens misericórdia dele, tu não
podes ser chamado de misericordioso; e se tu não és misericordioso, tu não
podes ter a mim, Misericórdia, como tua filha".
Enquanto ela argumentava
com o Pai, sua irmã, Verdade veio e perguntou por que Misericórdia estava
chorando. "Sua irmã, Misericórdia", respondeu o Pai, "deseja que
eu tenha piedade daquele transgressor orgulhoso, cujo castigo designei".
A Verdade, quando ouviu isto, ficou muito irada e olhou duramente para o Pai.
"Não sou eu", disse ela, "tua filha Verdade? Tu não és chamado
verdadeiro? Não é verdade que tu estabeleceste uma punição para ele e o
ameaçaste com a morte por tormentos? Se tu és verdadeiro, tu seguirás o que é
verdadeiro: se tu não o seguires, tu não podes ser verdadeiro; se tu não és
verdadeiro, tu não podes ter a mim, Verdade, como tua filha".
Neste ponto,
vocês percebem, "a Misericórdia e a Verdade se encontraram".
A
terceira irmã, isto é, a Justiça, ouvindo esta discussão, contenda disputa e
pleito, e convocada pelo clamor, começou a inquirir a causa da Verdade. E a
Verdade, que só podia falar o que era verdadeiro, disse: "Esta nossa
irmã, a Misericórdia, se é que ela deve ser chamada de irmã, visto que não
concorda conosco, deseja que nosso Pai tenha piedade daquele transgressor
orgulhoso".
Então a Justiça, com um semblante bravo e meditando num
desgosto que ela não tinha esperado, disse ao Pai: "Não sou eu a Justiça,
tua filha? Tu não és chamado justo? Se tu és justo, tu exercerás justiça no
transgressor; se tu não exerceres essa justiça, tu não podes ser justo; se tu
não és justo, tu não podes ter a mim, Justiça, como tua filha".
ENTÃO aqui
estavam, de um lado, a Verdade e a Justiça, e de outro, a Misericórdia. A Paz
fugiu para um país muito distante. Pois onde há discussão e contenda, não há
paz; e quanto maior a contenda, para mais longe a Paz é afugentada.
ENTÃO, estando uma de suas filhas perdida, e as outras três
em calorosa discussão, o Rei achou extremamente difícil encontrar uma maneira
de determinar o que deveria fazer, ou para qual lado deveria inclinar-se. Pois
se desse ouvidos à Misericórdia, Ele ofenderia a Verdade e a Justiça; se desse
ouvidos à Verdade e à Justiça, não poderia ter Misericórdia por sua
filha; e, não obstante, fazia-se necessário que Ele fosse misericordioso e
justo, pacífico e verdadeiro. Havia grande necessidade de um bom conselho.
Portanto, o Pai chamou seu Filho sábio, e o consultou sobre o assunto. Disse o
Filho: "Dai-me, meu Pai, este presente assunto para conduzir, e eu
castigarei o transgressor para ti, e trarei em paz para ti as tuas quatro
filhas". "Estas são grandes promessas", respondeu o Pai,
"se a ação concordar com a palavra. Se tu podes fazer o que dizes, eu
agirei como tu me exortares". Tendo recebido o mandato real, o Filho levou
consigo sua irmã Misericórdia. "Pulando montanhas, ignorando
colinas", eles chegaram à prisão, e "olhando pelas janelas, olhando
pelas grades", viu o criado encarcerado, barrado da vida presente,
devorado pela aflição, e "desde a planta do pé até ao alto da cabeça não
havia nele nada são". Fie o viu no poder da morte, porque por ele a morte
entrou no mundo. Ele o viu devorado, porque, quando um homem está morto, ele é
comido pelos vermes. E porque agora tenho a oportunidade de lhes falar, vocês
saberão os nomes dos quatro atormentadores. O primeiro, que o colocou na
prisão, é a Prisão da vida presente, da qual se diz: "Ai de mim, que sou
constrangido a morar em Meseque". O segundo, que o atormentou, é a Miséria
do mundo, que nos ataca com todos os tipos de dor c miséria. O terceiro, que o
estava matando é a Morte, que destrói e a tudo mata; o quarto, que o estava
devorando, é o Verme... Então, o Filho, vendo o seu criado entregue a estes
quatro atormentadores, não pôde senão ter Misericórdia dele, porque a
Misericórdia era sua companheira, e irrompendo na prisão da morte,
"conquistou a morte, amarrou o homem forte, tomou os seus bens" e
distribuiu os espólios. E, "subindo ao alto, levou cativo o cativeiro e
deu dons aos homens". Ele trouxe de volta o criado ao seu país, o coroou
com duplicada honra e o vestiu com uma roupa de imortalidade. Ao ver tal coisa,
Misericórdia não teve mais base de reclamação.
A Verdade não achou causa de
descontentamento, porque seu Pai foi achado verdadeiro. O criado havia pago
todas as penas. A Justiça, de igual modo, não reclamou, porque fora executada a justiça no transgressor; e, assim, "aquele que tinha-se perdido, foi
achado". A Paz, então, quando viu que suas irmãs estavam em concórdia,
voltou e se uniu a elas. E agora, vejam que "a Misericórdia e a Verdade se
encontraram; a Justiça e a Paz se beijaram". Assim, pelo Mediador dos
homens, o homem foi purificado e reconciliado e a centésima ovelha foi
trazida de volta ao aprisco de Deus. A este aprisco Jesus nos traz, a quem seja
a honra e o poder para sempre. Amém.
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