O Vbnerável Bede nasceu
em 672 e morreu em 735. Ele passou a maior parte da vida no mosteiro em
Jarrow-on-Tyne. Sua obra mais notável foi a História Eclesiástica da Nação
Inglesa. Suas últimas horas foram gastas terminando a tradução para o
vernáculo do Evangelho de João. Infelizmente, esta obra se perdeu.
Há imensa quantidade de sermões da Idade Média, mas poucos estão
disponíveis em inglês. Os pregadores medievais não tinham dúvidas sobre o céu,
o inferno, a alma e a obra redentora de Jesus Cristo. Diante da incerteza de
muitos de nossos sermões modernos, é reconfortante estudar um sermão da Idade
Média.
Como veremos no sermão pregado por Bede, havia muito da arte
dos contadores de histórias nos sermões deste antigo pregador.
O Encontro da Misericórdia
e da Justiça
"A misericórdia c a verdade se encontraram...” (Sl 85.10)
HAVIA certo Pai de família, um Rei poderoso, que
tinha quatro filhas. Uma se chamava Misericórdia; a segunda, Verdade; a
terceira. Justiça; e a quarta, Paz; de quem se diz: "A Misericórdia e a
Verdade se encontraram; a Justiça e a Paz se beijaram'1. Ele tinha
também certo Filho muito sábio, a quem ninguém se comparava em sabedoria. Tinha
igualmente certo criado a quem havia exaltado e enriquecido com grande honra;
pois Ele o fizera segundo sua própria semelhança e similitude, e isso sem
mérito precedente por parte do criado. Mas o Senhor, como é o costume com tais
mestres sábios, desejava prudentemente explorar e conhecer o caráter e a fé do
seu criado, se este lhe era ou não digno de confiança. Assim Ele deu-lhe uma
ordem fácil, e disse: "Se tu fizeres o que eu te digo, eu te exaltarei a
maiores honras; se não, tu perecerás miseravelmente".
O CRIADO ouviu a ordem, e sem demora, a infringiu. Por que preciso dizer mais? Por que preciso retardá-lo com minhas palavras e lágrimas?
Este criado orgulhoso, obstinado, altivo e inchado de vaidade buscou uma
desculpa para sua transgressão e colocou toda a culpa no seu Senhor. Pois
quando ele disse: "A mulher que me deste para estar comigo, me
enganou", ele jogou toda a culpa no seu Criador O seu Senhor, mais bravo
por tal conduta contumaz do que pela transgressão da ordem, chamou quatro dos
mais cruéis executores e ordenou que um deles o lançasse na prisão, que outro o estrangulasse que o terceiro o decapitasse e que o quarto o afligisse com tormentos
atrozes. Tão logo se oferecer ocasião, eu lhes darei o nome de cada um dos
atormentadores.
ESSES torturadores, estudando como pôr em execução a própria
crueldade, levaram o miserável homem e começaram a afligi-lo com toda sorte de
castigos. Mas uma das filhas do Rei. por nome Misericórdia quando ouviu falar
sobre este castigo do criado, correu apressadamente à prisão. Olhando para
dentro e vendo o homem entregue aos atormentadores, não pôde deixar de ter
compaixão dele, porque é sua característica ter misericórdia. Ela rasgou as
roupas, bateu palmas e deixou o cabelo cair solto em torno do pescoço.
Chorando e gritando, ela correu ao Pai e, ajoelhando-se diante dos seus pés, começou
a dizer com voz séria e dolorosa: "Meu Pai amado, não sou eu tua filha
Misericórdia? E tu não és chamado misericordioso? Se tu és misericordioso,
tenha misericórdia de teu criado. Se tu não tens misericórdia dele, tu não
podes ser chamado de misericordioso; e se tu não és misericordioso, tu não
podes ter a mim, Misericórdia, como tua filha".
Enquanto ela argumentava
com o Pai, sua irmã, Verdade veio e perguntou por que Misericórdia estava
chorando. "Sua irmã, Misericórdia", respondeu o Pai, "deseja que
eu tenha piedade daquele transgressor orgulhoso, cujo castigo designei".
A Verdade, quando ouviu isto, ficou muito irada e olhou duramente para o Pai.
"Não sou eu", disse ela, "tua filha Verdade? Tu não és chamado
verdadeiro? Não é verdade que tu estabeleceste uma punição para ele e o
ameaçaste com a morte por tormentos? Se tu és verdadeiro, tu seguirás o que é
verdadeiro: se tu não o seguires, tu não podes ser verdadeiro; se tu não és
verdadeiro, tu não podes ter a mim, Verdade, como tua filha".
Neste ponto,
vocês percebem, "a Misericórdia e a Verdade se encontraram".
A
terceira irmã, isto é, a Justiça, ouvindo esta discussão, contenda disputa e
pleito, e convocada pelo clamor, começou a inquirir a causa da Verdade. E a
Verdade, que só podia falar o que era verdadeiro, disse: "Esta nossa
irmã, a Misericórdia, se é que ela deve ser chamada de irmã, visto que não
concorda conosco, deseja que nosso Pai tenha piedade daquele transgressor
orgulhoso".
Então a Justiça, com um semblante bravo e meditando num
desgosto que ela não tinha esperado, disse ao Pai: "Não sou eu a Justiça,
tua filha? Tu não és chamado justo? Se tu és justo, tu exercerás justiça no
transgressor; se tu não exerceres essa justiça, tu não podes ser justo; se tu
não és justo, tu não podes ter a mim, Justiça, como tua filha".
ENTÃO aqui
estavam, de um lado, a Verdade e a Justiça, e de outro, a Misericórdia. A Paz
fugiu para um país muito distante. Pois onde há discussão e contenda, não há
paz; e quanto maior a contenda, para mais longe a Paz é afugentada.
ENTÃO, estando uma de suas filhas perdida, e as outras três
em calorosa discussão, o Rei achou extremamente difícil encontrar uma maneira
de determinar o que deveria fazer, ou para qual lado deveria inclinar-se. Pois
se desse ouvidos à Misericórdia, Ele ofenderia a Verdade e a Justiça; se desse
ouvidos à Verdade e à Justiça, não poderia ter Misericórdia por sua
filha; e, não obstante, fazia-se necessário que Ele fosse misericordioso e
justo, pacífico e verdadeiro. Havia grande necessidade de um bom conselho.
Portanto, o Pai chamou seu Filho sábio, e o consultou sobre o assunto. Disse o
Filho: "Dai-me, meu Pai, este presente assunto para conduzir, e eu
castigarei o transgressor para ti, e trarei em paz para ti as tuas quatro
filhas". "Estas são grandes promessas", respondeu o Pai,
"se a ação concordar com a palavra. Se tu podes fazer o que dizes, eu
agirei como tu me exortares". Tendo recebido o mandato real, o Filho levou
consigo sua irmã Misericórdia. "Pulando montanhas, ignorando
colinas", eles chegaram à prisão, e "olhando pelas janelas, olhando
pelas grades", viu o criado encarcerado, barrado da vida presente,
devorado pela aflição, e "desde a planta do pé até ao alto da cabeça não
havia nele nada são". Fie o viu no poder da morte, porque por ele a morte
entrou no mundo. Ele o viu devorado, porque, quando um homem está morto, ele é
comido pelos vermes. E porque agora tenho a oportunidade de lhes falar, vocês
saberão os nomes dos quatro atormentadores. O primeiro, que o colocou na
prisão, é a Prisão da vida presente, da qual se diz: "Ai de mim, que sou
constrangido a morar em Meseque". O segundo, que o atormentou, é a Miséria
do mundo, que nos ataca com todos os tipos de dor c miséria. O terceiro, que o
estava matando é a Morte, que destrói e a tudo mata; o quarto, que o estava
devorando, é o Verme... Então, o Filho, vendo o seu criado entregue a estes
quatro atormentadores, não pôde senão ter Misericórdia dele, porque a
Misericórdia era sua companheira, e irrompendo na prisão da morte,
"conquistou a morte, amarrou o homem forte, tomou os seus bens" e
distribuiu os espólios. E, "subindo ao alto, levou cativo o cativeiro e
deu dons aos homens". Ele trouxe de volta o criado ao seu país, o coroou
com duplicada honra e o vestiu com uma roupa de imortalidade. Ao ver tal coisa,
Misericórdia não teve mais base de reclamação.
A Verdade não achou causa de
descontentamento, porque seu Pai foi achado verdadeiro. O criado havia pago
todas as penas. A Justiça, de igual modo, não reclamou, porque fora executada a justiça no transgressor; e, assim, "aquele que tinha-se perdido, foi
achado". A Paz, então, quando viu que suas irmãs estavam em concórdia,
voltou e se uniu a elas. E agora, vejam que "a Misericórdia e a Verdade se
encontraram; a Justiça e a Paz se beijaram". Assim, pelo Mediador dos
homens, o homem foi purificado e reconciliado e a centésima ovelha foi
trazida de volta ao aprisco de Deus. A este aprisco Jesus nos traz, a quem seja
a honra e o poder para sempre. Amém.
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